“Tudo é de longo prazo na construção, mas é preciso manter a obra andando", reflete o presidente da CBIC sobre o futuro.
Um dos compromissos da Terracotta Expert Series é trazer grandes nomes do setor da construção e do mercado imobiliário para debater formatos de negócio envolvendo a construção modular no Brasil.
Nesta edição, conversamos com Renato Correia, presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) e diretor da Vega Incorporadora. Debatemos o futuro da construção civil no país e as perspectivas de avanço da construção industrializada por aqui.
“O resultado é que vamos conseguir fazer mais rápido, com menos desperdício, numa situação mais controlada. Mas isso não quer dizer que vamos zerar a construção tradicional”, afirmou Renato.
Também vemos assim na Terracotta. Acreditamos que a industrialização do setor não vai matar o modelo tradicional, mas sim potencializar negócios já existentes e abrir novos nichos de oportunidade.
Quem leu o último artigo onde abordamos o case da Alea vai identificar pontos comuns nessa conversa com Renato Correia. Oportunidade de parcerias entre empresas tradicionais e empresas industrializadas, importância de romper barreiras culturais e combater o preconceito com novos sistemas construtivos, e necessidade de inovar no modelo de negócio, encontrando caminhos que mostrem a viabilidade financeira, são alguns pontos em comum.
Para Correia, essas experiências são conclusivas: "O que empresas como a Alea e Tecverde vêm fazendo aumenta a velocidade de implantação da tese de construção modular no Brasil. Elas investem e têm retorno. Isso estimula o mercado, pois é a prova de que dá certo."
A Tecverde, por exemplo, já era destaque na época da Covid-19. Em parceria com a Brasil ao Cubo, essas empresas construíram hospitais permanentes de 100 leitos em menos de 40 dias, provando que os sistemas industrializados são capazes de gerar impacto social positivo por meio da aceleração de processos construtivos.
Nesse sentido, Renato Correia é categórico: "Se dá para simplificar, se já vimos que é possível fazer as construções dessa forma, por que precisamos esperar uma tragédia acontecer para a gente mudar os processos? Por que já não podemos nos beneficiar disso?", reflete o gestor, ao considerar o déficit habitacional causado pelas enchentes de 2024 no Rio Grande do Sul.
Segundo Renato, não há como prever em quanto tempo a construção modular vai se consolidar no Brasil. Mas, num cenário de reforma tributária, ascensão das techs e escassez de mão de obra, naturalmente caminharemos para essa mudança. “O segredo é manter a obra andando, seja no mercado tradicional, seja na construção industrializada”, reflete Correia.
Quer saber mais sobre esse papo? Você é nosso convidado para explorar o assunto e entender por que estamos caminhando para modelos construtivos que utilizam menos mão de obra e entregam com mais rapidez.
Continue a leitura e vamos juntos debater este mercado que exige mitigar riscos econômicos e, ao mesmo tempo, arriscar uma mudança de mindset.
“Eu estive na Expo Offsite e fiquei surpreso de encontrar 100 fornecedores de modular no país. Em 2019 eram meia dúzia.”
“A barreira tributária está caindo agora, depois de trinta anos de tentativas de reforma. Ótimo. Mas quais são as outras barreiras?”
“Temos que qualificar a mão de obra e quebrar a cultura da sociedade de não comprar esse tipo de produto só porque acha que não presta.”
“O empresário está sim buscando novas soluções, mas precisamos demonstrar para ele a viabilidade econômica disso.”
“Você pode ter uma construtora pequena, porém muito eficiente. Não estamos abrindo mão das pequenas construtoras nessa transição.”
“Se dá para simplificar, se já vimos que é possível, por que precisamos esperar uma tragédia acontecer para a gente mudar os processos?”
“A casa própria impacta na qualidade de vida. Quem tem casa sabe disso, e por isso mesmo deveria estar mais preocupado com quem não tem.”
Esta entrevista foi realizada em julho de 2024. Segue o bate-papo completo, organizado por eixos temáticos:
Terracotta Ventures: Apesar dos esforços que temos visto para modernizar os elos da cadeia construtiva no país, a PL 68/2024, aprovada recentemente na Câmara, prevê uma reforma tributária que pode dificultar o acesso à moradia no Brasil, devido à possibilidade de aumento nos custos da construção. Como o senhor vê essa questão?
Renato Correia: A questão tributária é uma grande barreira à industrialização da construção civil no Brasil. É muito difícil driblar essa barreira somente ganhando escala na produção. Então acho que esse é um primeiro ponto que a gente supera com a aprovação da reforma tributária.
Nós temos que aproveitar esse momento para fazer uma transição mais rápida, dentro do possível, quando falamos de industrialização na construção.
Vamos ver como é que o Brasil vai se comportar com esse novo arcabouço tributário, no tributo de consumo. Provavelmente, logo teremos uma reforma do imposto de renda e também do imposto sobre patrimônios. Então, sem dúvida, estamos num momento propício para começarmos a superar uma barreira importante à construção industrializada no Brasil.
Terracotta Ventures: O mercado costuma avaliar a competitividade de um sistema construtivo pela métrica do custo por metro quadrado. Na construção modular, o ganho em escala ajuda a diluir esse custo. Por outro lado, se a gente pensar no pequeno construtor, talvez ele nunca consiga escalar sua produção por falta de volume. Então como ele poderia se inserir na construção modular?
Renato Correia: Eu acho que essas coisas vão acontecendo naturalmente ao longo do tempo. E um ponto importante é o seguinte: qualquer que seja a demanda – pequenas reformas, retrofit, revitalização etc. – sempre haverá espaço para a construção tradicional, mas é óbvio que será necessária uma adaptação.
Você pode ter uma construtora pequena, porém muito eficiente, bem situada localmente, operando com processos tradicionais. Você não está abrindo mão das pequenas construtoras nesse caminho de transição. Elas vão continuar tendo seu espaço para trabalhar porque o segmento da construção é bastante pulverizado.
No entanto, o que vejo é que pequenas, médias e grandes empresas vão cada vez mais se especializar para conseguir atuar nas mais diversas possibilidades construtivas. Estou falando de alguns métodos que serão incorporados com mais volume, como steel frame, wood frame, pré-moldados de concreto, estruturas metálicas etc.
A engenharia é tão dinâmica e tão criativa nesse aspecto que certamente vão abastecer o mercado com outras oportunidades de construção e outras variedades que tendem a deixar o mercado mais competitivo. O resultado é que vamos conseguir fazer mais rápido, com menos desperdício, numa situação mais controlada. Mas isso não quer dizer que vamos zerar a construção tradicional.
Terracotta Ventures: Pensando a construção modular como um negócio de longo prazo, quanto tempo vamos levar para que o segmento se consolide como algo viável e rentável no Brasil, como temos visto em empresas como Alea e Tecverde?
Renato Correia: Eu acho que a reforma tributária vai melhorar a margem dessas empresas pela possibilidade de ter uma incidência tributária não cumulativa. Isso uniformiza melhor o mercado, já que o tributo não será um fator determinante da tecnologia em questão. Não teríamos, por exemplo, um tipo de tributo para a tecnologia A e outro para a tecnologia B. Nós temos um tributo universal para consumo. Esse aspecto facilita a ampliação dos mercados de construção modular.
É muito difícil eu te dizer ao certo em quanto tempo esse modelo vai dominar o mercado. Mas o que a gente vê é que, juntando a questão tributária com a falta de mão de obra, o contexto vai se encaminhando, muito provavelmente, para esse tipo de modelo construtivo que usa menos mão de obra e que não tem tanta barreira tributária.
Nos mercados mais desenvolvidos acabou se predominando esse tipo de construção que a gente espera que aconteça aqui no Brasil. Porém não sei te reportar em quanto tempo isso vai acontecer, mas acho que vai acabar acontecendo.
Terracotta Ventures: Além do investimento em novas tecnologias construtivas, que outras alternativas dentro do setor construtivo o senhor vê para o problema da escassez de mão de obra no Brasil?
Renato Correia: Primeiramente, eu queria dimensionar esse problema da maneira adequada. Eu não chamo isso de um “apagão de mão de obra”, como normalmente chamam. Nós temos quase 3 milhões de pessoas trabalhando com carteira assinada na construção civil. O que a gente tem é uma dificuldade de entrantes.
Nossa mão de obra está envelhecendo e atualmente há outras possibilidades mais atrativas no mercado, como os trabalhos por aplicativos, o que é uma consequência da digitalização. Há também outros incentivos sociais fazendo com que os jovens não se interessem mais pelo trabalho na construção civil. Então pode ser que no futuro a gente realmente tenha dificuldade em conseguir mão de obra. Mas, a princípio, nós já temos muita gente trabalhando nesse setor.
Estamos vivendo um momento de retomada, considerando-se que o sistema industrializado é mais atrativo, melhor remunerado, oferece melhores condições de trabalho etc. Então esses novos sistemas construtivos se tornam uma opção mais viável para construtores contratarem mão de obra, melhorando sua atratividade.
Pensando na construção modular, ou em qualquer sistema construtivo que seja mais leve, mais rápido, mais moderno, operando com auxílio de ferramentas mais digitais ou robotizadas, isso naturalmente torna o sistema mais atrativo.
Vamos citar o agronegócio, por exemplo, na medida em que o segmento foi se digitalizando, o setor passou a pagar melhor, produzindo mais com menos gente. Hoje já temos operadores de campo trabalhando em colheitadeiras de alta tecnologia, com ar-condicionado, com computador, joystick etc. Então, fazendo uma analogia, eu acho que na construção nós podemos (e devemos!) caminhar para esse lado também.
Terracotta Ventures: Num cenário otimista, o projeto Construção 2030, da CBIC, prevê que nos próximos dez anos as tecnologias da Indústria 4.0 e 5.0 já estarão bem aplicadas no Brasil, sobretudo em negócios que envolvam as teses de short stay, coliving, digitalização do canteiro de obras, impressão de casas 3D, entre outras tendências promissoras. Na sua visão, quais dessas tendências tendem a se consolidar mais rapidamente no mercado brasileiro?
Renato Correia: No projeto Construção 2030, da CBIC, diagnosticamos que existem empresas inovadoras, que não estão produzindo em escala, mas conseguem fazer processos disruptivos, novos. Mas temos também as empresas tradicionais, que têm muita dificuldade em mudar a forma de agir no mercado. A ideia do projeto 2030 é fazer essas curvas se unirem. Ou seja, o desafio é conseguir que as empresas tradicionais cheguem mais rapidamente à era da inovação e que as empresas inovadoras configurem bons ambientes para a aplicação de suas tecnologias.
Sobre qual tendência deve ser a mais aplicada, isso é tão dinâmico que não sei te responder. Tem tanta startup fazendo coisa legal, seja na área de venda, seja na área de controle de obra, cronograma etc. Esses dias eu vi um trabalho espetacular de uma empresa de drone, que faz conferência da locação das obras por drone. A tarefa de locação consiste em conferir fisicamente o pilar, o tubulão ou a peça de fundação, para avaliar se está tudo de acordo com o projeto. Nessa empresa isso já é feito por drone.
Ou seja, tem tanta coisa evoluindo ao mesmo tempo que não sei te dizer o que vai se consolidar primeiro. O que posso te dizer é que isso vai acontecer rapidamente, à medida que as novas soluções forem capazes de resolver os problemas das empresas.
O desafio é que no Brasil nós temos uma dificuldade muito grande por conta das legislações, que muitas vezes travam os processos tecnológicos, seja por normatização, seja por regulamentação, por quem financia. Então às vezes a tecnologia já está disponível e em condições de uso, mas o processo legal e normativo não permite que você aplique. Esse é o primeiro entrave.
Uma segunda barreira é quanto à legalização e demora de aprovação de um projeto. Por exemplo, se eu lanço um projeto de habitação hoje no mercado, ele tem um prazo de concepção de um ano, um ano e meio, que é o tempo que demora para tirar todas as licenças. Isso para a tecnologia é muito tempo. Pode ser que você consiga um desenvolvimento rápido, mas às vezes os preços dos insumos nesse período mudam e a sua tecnologia fica inviável. Ou seja, é uma grande dificuldade casar esses aspectos. Isso só vai se acomodar com o passar do tempo.
Um exemplo é a tecnologia BIM. O BIM é uma super ferramenta de gestão de projeto, de integração, mas até o momento ela tem travas de custos, de operação. Temos mais de 140 mil empresas do setor construtivo no Brasil, 90% delas com menos de 30 funcionários. Isso dificulta a pulverização das tecnologias. Como é que uma empresa que tem 30 funcionários investe numa plataforma BIM? Aí a gente realmente precisa pensar um outro jeito de usar isso, como através dos sindicatos.
Por exemplo: hoje na CBIC nós estamos em uma parceria forte com o BIM Fórum para que possamos, em termos de contratantes públicos, encontrar meios de financiar um projeto em BIM para difundir essa tecnologia via obras públicas. Assim, com mais volume, mais empresas qualificadas no jogo, quem sabe a gente consiga chegar lá. Sei que a iniciativa privada já tem alguns cases em BIM, mas, de longe, não é um processo amplamente difundido.
Então, é difícil responder objetivamente a sua pergunta, porque eu teria que ter uma bolinha de cristal para saber quais tecnologias vão se consolidar num futuro breve. Mas a gente vê no contexto uma série de movimentos impulsionando essas techs. Consigo compreender para onde esse movimento vai nos levar. No canteiro de obras, por exemplo, elementos como reforma tributária, falta de mão de obra e uso de sistemas digitais naturalmente vão nos levar para o steel frame, wood frame, painel wall etc.
A impressão 3D ainda é um desafio, é algo novo que não sabemos se será relevante em termos de desempenho térmico, acústico, resistência estrutural, entre outras questões. Mas em algum momento vamos chegar lá.
Eu acredito que a engenharia vai se resolvendo com tentativa e erro. E já acertamos bastante. Fora esses sistemas mais complexos, o que já pudermos industrializar em grandes volumes para fazer frente à necessidade de habitação, não dá para perder mais tempo.
Acredito que no Brasil vamos rapidamente ganhar velocidade no steel frame, no wood frame, nas estruturas metálicas etc, enquanto, em paralelo, vão se desenvolvendo novas tecnologias que gradualmente podem ir ampliando ou substituindo as já existentes.
Terracotta Ventures: Não adianta a gente ter tecnologias disponíveis e aplicáveis, se muitos empresários e pequenos construtores ainda pensam a construção de forma essencialmente tradicional. Nesse sentido, qual seria o maior entrave à construção modular no Brasil: as questões legislativas e de financiamento ou a mudança de mindset do construtor?
Renato Correia: Eu acho que o empresário está sim em busca de novas soluções. E ele somente não as aplica se isso não for viável. Faz-se uma “conta de padaria” e, entendendo que a solução não trará resultado, ele simplesmente não aplica. Então o que precisamos fazer é demonstrar a viabilidade econômica para esses projetos.
O Brasil é um país muito inseguro nesse sentido, pois, para toda novidade que você propõe, não há segurança normativa ou regulamentar, nem validação da técnica. Isso sem falar no entrave do financiamento. Hoje a Tecverde só consegue construir casas modulares, por exemplo, porque o projeto está validado pela Caixa.
E lá na ponta da cadeia construtiva você tem um entrave na figura do corretor. Se o concorrente dele, que vende casa em concreto, diz, erroneamente, que o wood frame não compensa porque pega fogo, ele não vai mais querer vender o modelo. Então essa barreira cultural precisa ser quebrada também na ponta da cadeia, para quem compra e quem vende.
Empresas como Alea e Tecverde conquistaram um mercado muito grande na construção modular nos últimos anos. O que essas empresas vêm fazendo aumenta a velocidade de implantação da tese. Elas investem e têm retorno. Isso estimula o mercado, pois é a prova de que dá certo.
Eu estive na Expo Offsite recentemente e fiquei surpreso de encontrar cem fornecedores de modular no país. Foi uma grata surpresa. Eu não fui com essa expectativa. Em 2019, por exemplo, eram meia dúzia de fornecedores. Agora já são cem. E no ano que vem certamente serão mais.
Então é disso que o empreendedor precisa para mudar o mindset: conhecer a tecnologia, se convencer de que a solução funciona, de que é possível ultrapassar a barreira da viabilidade financeira e a barreira cultural de quem compra e de quem vende. Aí sim ele vai querer colocar esse projeto no papel para daqui a um ano, um ano e meio, estar vendendo.
Terracotta Ventures: Um estudo da CBIC mostrou que seria necessário construir 13 milhões de residências até 2034 para zerar o déficit habitacional no Brasil, o que totalizaria 5 trilhões de reais investidos, direta e indiretamente. De que formas a construção modular contribui nesse cenário?
Renato Correia: É um assunto complexo, pois o desafio do déficit habitacional no país é gigantesco. Vamos começar diferenciando déficit e demanda. O déficit habitacional é de 6 milhões de moradias. A demanda para chegar nesses 13 milhões é também cerca de 6 milhões por ano. O FGTS, a poupança e os outros instrumentos ao longo dos últimos 15 anos têm conseguido suportar a demanda, mas não eliminam o déficit. Entende?
Agora, o déficit de 6 milhões a 150 mil reais de custo médio dá um trilhão de reais. Um trilhão de reais dividido em 10 anos são 100 bilhões por ano. 100 bilhões por ano é 10 vezes mais do que o governo federal sozinho está colocando na faixa 1 do Minha Casa Minha Vida. Dez vezes mais. Mas só o governo federal é responsável por solucionar esse problema? Não.
Governos estaduais, municipais, a sociedade de maneira geral, todos nós temos que buscar instrumentos para diminuir ao máximo esse déficit habitacional. A gente sabe o impacto que a casa própria tem na qualidade de vida das pessoas. Quem tem casa sabe disso, e por isso mesmo deveria estar mais preocupado com quem não tem.
Sabendo que a engenharia, com a construção modular, é notadamente mais produtiva, mais eficiente do ponto de vista ambiental porque gera menos resíduos, mais eficaz no uso da mão de obra, remunera melhor, é natural que a gente caminhe para esse lado para resolver problemas da sociedade, como o déficit habitacional. Então temos que olhar positivamente para isso, pois é assim que vamos sensibilizar o poder público e agentes financiadores para eliminar as barreiras da construção modular no Brasil.
Tudo isso que a gente está plantando agora, vamos colher os benefícios daqui dez anos. É fundamental que façamos esse trabalho árduo, contínuo, mas sem desistir, senão a gente nunca vai conseguir superar essas barreiras. Tudo é de longo prazo no setor da construção.
Por sorte, a barreira tributária está caindo agora, depois de 30, 40 anos de tentativas de reforma. Ótimo. Mas quais são as outras barreiras? Nós temos que qualificar a mão de obra, capacitá-la, quebrar a cultura da sociedade de não comprar esse tipo de produto só porque acha que não presta. Então ainda temos muito trabalho pela frente. Muito trabalho.
Além disso, tem as questões regulatórias. O Brasil tem 5.500 municípios. Cada um deles determina suas regras construtivas, em relação ao tamanho de janela, pé direito, afastamento e outras questões internas da construção. Imagine a dificuldade para atender a tudo isso sem que haja uma diretriz nacional com parâmetros de referência.
Deveria haver uma diretriz para a gente padronizar alguns critérios e, assim, acelerar os processo construtivos. Ou seja, além dos entraves tributários e culturais, há também os entraves de regulamentação e de normas. Da forma como está, é muito difícil a gente entrar com uma construção de larga escala, sem adequar a questão normativa.
Terracotta Ventures: Experiências como a da Tecverde com os hospitais durante a Covid, por exemplo, provam que é possível tirar um projeto de construção industrializada do papel em curto espaço de tempo. A tragédia no Rio Grande do Sul também tem estimulado o uso de novos métodos para acelerar processos construtivos. Pena que a gente precisou partir de eventos trágicos para isso. O que o senhor pensa a respeito?
Renato Correia: Eu penso o seguinte: se dá para simplificar, se já vimos que é possível fazer as construções dessa forma, por que precisamos esperar uma tragédia acontecer para a gente mudar os processos? Por que já não podemos nos beneficiar disso?
Qual a diferença – com imenso respeito a tudo o que aconteceu no Rio Grande do Sul – mas qual a diferença entre essas pessoas que perderam suas casas e quem nunca teve uma casa adequada? Quem está a vida inteira atrás de uma casa e não consegue? Se o Brasil inteiro se mobilizou pela tragédia no Rio Grande do Sul, deveríamos nos mobilizar por essas pessoas também.
Terracotta Ventures: O que o senhor, enquanto empresário da construção, poderia dizer para quem está se inserindo agora no segmento, baseado na sua experiência como diretor da Vega Incorporadora?
Renato Correia: Bom, vamos lá. A Vega foi fundada em 1986, no contexto geográfico de Goiânia. Eu era estagiário na Vega. Estagiário! Meu irmão era o diretor aqui, e foi sócio até 2004. Em 2004, fizemos uma sucessão e eu assumi a empresa. A empresa sempre trabalhou no ramo de incorporação e construção para o setor privado.
Na época que eu assumi a Vega, a gente resolveu focar nessa missão de trabalhar no segmento econômico, fomos pegando o que a gente já tinha de conhecimento e aplicando, mas o principal desafio sempre foi essa questão da renda das pessoas, o financiamento e a taxa de juros.
Naquela época ainda não havia o financiamento pelo Minha Casa Minha Vida, que só veio a acontecer em 2009. E aí realmente houve um diferencial, porque já tínhamos um ambiente controlado e amadurecido. Isso facilitou a chegada das grandes construtoras para que a gente fizesse parcerias interessantes, com a Tenda, por exemplo, entre outros parceiros locais.
Mas, voltando àquilo que falamos antes sobre tecnologia: não adiantava nada a gente ter tudo o que a Vega tem se ela estivesse inserida num mercado onde não houvesse desenvolvimento. No caso da Vega, estamos em Goiânia, numa região que tem tido um crescimento muito significativo. É uma cidade jovem, de 90 anos, que sempre teve plano diretor.
É cercada pelo agronegócio por todos os lados, é a capital mais bem centralizada, muito próxima de Brasília, com uma boa rede de saúde, universidades, comércio, lazer, qualidade de vida e, mais recentemente, de segurança pública. Então um diferencial da Vega é estarmos inseridos nesse contexto, com todos esses atributos. Isso nos proporcionou um dos maiores crescimentos do mercado imobiliário, proporcionalmente falando.
Então, respondendo à pergunta, a primeira coisa que o empresário do ramo da construção precisa fazer é olhar o mercado. Entender o mercado. O seu cliente tem condição de pagar, tem condição de financiar? Os custos estão controlados para que você não tenha surpresa na hora de realizar a obra?
A taxa de juros é outro indicador importantíssimo, e não estou falando no financiamento imobiliário, mas sim porque a taxa de juros influencia na renda do seu cliente. Se a taxa de juros está maior ou a inflação está maior, o seu cliente acaba tendo menos dinheiro no bolso para te pagar. Então, conforme você vai mitigando os riscos, sua chance de ter um empreendimento bem sucedido é maior.
Agora, se formos considerar a questão da falta de mão de obra e o contexto de ascensão das tecnologias, são muitos fatores que vêm aumentando as barreiras de entrada, seja de custos tecnológicos, seja de custos cartoriais, custos de aprovação de projeto etc.
Tudo isso veio ganhando uma dinâmica de muito investimento na entrada do negócio, e consequentemente demandando mais recursos, de modo que você tem que ter mais volume para ser mais competitivo, o que demanda ainda mais recursos. Então realmente é necessário muito estudo até entender como você vai romper essas barreiras. Se você está capitalizado, fica mais fácil. Se você está começando sem capital, o desafio é muito maior.
Terracotta Ventures: E quais seriam os rumos para quem está começando descapitalizado, vamos dizer assim?
Arregaçar as mangas, trabalhar bastante e enfrentar o desafio. Não tem outra alternativa, não tem fórmula, a não ser trabalhar muito, de 14 a 16 horas por dia, para poder chegar no patamar de competir com quem já está aí no mercado. Vale a pena porque a missão é nobre.
Quanto ao uso das tecnologias, você não precisa necessariamente sair do mercado tradicional para aplicá-las. Você pode inclusive utilizar tecnologias mais tradicionais. Vejo com frequência pequenos construtores atingindo bons resultados fazendo casas, uma a uma. Acabam fazendo duzentas, trezentas casas por ano. Assim vão gerando capital e conseguindo ultrapassar as barreiras do mercado.
Ou seja, você tem que estar sempre em atividade. Você precisa ter equipe, gerir a equipe. É preciso ter processos bem definidos e pouco desperdício, senão o seu custo aumenta. E para perceber essas nuances você precisa estar em atividade, você precisa estar sempre com a obra andando.
O bate-papo com Renato Correia nos ajuda a compreender para onde a construção civil está caminhando no Brasil e como os novos métodos construtivos podem potencializar empreendimentos já existentes, abrindo outras possibilidades de se pensar estrategicamente o modelo de negócios.
Concordamos que sempre haverá espaço para construtoras tradicionais mas, como o próprio Renato afirma, é necessário que as empresas se adaptem a esse momento de transição. Para tanto, é preciso considerar não só as barreiras tributárias e de financiamento, mas também o movimento de digitalização do setor.
Esse movimento vem acelerando a cadeia construtiva de ponta a ponta e tornando o segmento mais atrativo para todos os envolvidos, inclusive para a mão de obra, tendo em vista que, à medida que a construção se sofistica, o setor passa a oferecer também melhores oportunidades de salários.
Quanto às barreiras tributárias, estamos em um cenário propício para superá-las. Conforme destacou Renato Correia, o contexto da reforma tributária, a depender dos moldes como será concluída no Brasil, pode acelerar esse movimento de transição para a construção industrializada no país.
No que envolve o universo de financiamento, estamos vivendo a aceleração das fontes alternativas de funding para o mercado imobiliário com a expansão do papel do mercado de capitais no setor. Veremos o mesmo movimento com as oportunidades em construção offsite no Brasil.
Ainda há muito trabalho pela frente mas concordamos com o presidente da CBIC: é preciso caminhar.
Isso inclui arriscar uma mudança de mindset e, ao mesmo tempo, minimizar os riscos econômicos envolvidos, pensando em como formatar um modelo de negócio que considere todas as arestas da operação, para além de apenas adotar um novo método construtivo.
O primeiro programa destinado a empreendedores e investidores imobiliários