Este conteúdo foi trazido na edição #129 do Radar Terracotta. Acesse aqui
A profunda escassez habitacional que assola as principais metrópoles brasileiras não é um fenômeno isolado, but sim o resultado de décadas de subinvestimento, especulação imobiliária e crescimento desordenado.
Enquanto a demanda por moradias acessíveis dispara, impulsionada pelo êxodo rural e pela crescente urbanização, a oferta de unidades residenciais de preço compatível com a renda média simplesmente não acompanha o ritmo.
Municípios como São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília têm visto o déficit habitacional ultrapassar as 7 milhões de unidades, o que se traduz em famílias vivendo em condições precárias, ocupações irregulares e prédios subutilizados.
Ademais, o custo de construção disparou: entre 2000 e 2024, o Índice Nacional da Construção Civil (INCC) registrou alta acumulada de mais de 600%, tornando inviáveis novos projetos de habitação de interesse social sem subsídios amplos.
Neste contexto, é imperativo repensar soluções que não dependam exclusivamente da verticalização excludente nem da expansão das periferias, mas que aproveitem o patrimônio habitacional já existente.
Dois terços do parque habitacional brasileiro é composto por casas unifamiliares, muitas delas com largura de lote e parâmetros urbanísticos que possibilitam a inserção de unidades adicionais.
Estatísticas recentes apontam que aproximadamente 30% das residências têm mais de três quartos, dos quais um terço permanece subocupado ou completamente vazio — quartos de hóspedes raramente utilizados, alas de serviço abandonadas ou garagens convertidas em depósitos.
Os proprietários desses imóveis, muitas vezes “boomers” que adquiriram ou herdarão terrenos amplos, possuem um ativo valiosíssimo: um lote com potencial de subdivisão ou retrofit interno.
Ao invés de se tornarem proprietários de terrenos residuais, esses indivíduos poderiam gerar renda passiva e, simultaneamente, contribuir para a oferta habitacional local.
Inspirado por experiências de retrofit suburbano nos Estados Unidos, o modelo de “casa de colegas” consiste em dividir internamente uma única residência em estúdios ou suítes independentes, cada qual com entrada própria, banheiro e mini-copa.
Para driblar normas de zoneamento que vedam multifamiliar em bairros estritamente residenciais, mantém-se a classificação oficial como single-family home via portas internas traváveis, entrelabirintos ocultos por estantes e demais artifícios que preservam a fachada original.
Os benefícios são múltiplos:
Este modelo, quando replicado em escala moderada, pode gerar uma oferta significativa de moradias sem recorrer a grandes empreendimentos ou mudanças drásticas na paisagem urbana.
As ADUs, conhecidas no jargão técnico como “edículas”, “lofts de garagem” ou “anexos de quintal”, têm se destacado como a principal medida de incremento de estoque habitacional em locais densamente ocupados.
Em 2023, o Brasil registrou o pioneirismo na regulamentação do SREI (Sistema de Regularização Eletrônica de Imóveis) e do ONR (Observatório Nacional do Registro), possibilitando o tráfego de APIs que integram cartórios, prefeituras e concessionárias, acelerando em até 70% o processo de aprovação de minicasas de até 60 m² no fundo do lote.
As ADUs apresentam vantagens incontestáveis:
O “suburban retrofit” popularizado em Dallas por Monte Anderson, que converteu uma casa ranch de 2.400 m² em quatro estúdios independentes mais um anexo de quintal, é protótipo de intervenção que poderia ser exportado ao Brasil.
Anderson gastou USD 1 mi em reformas — equivalente a cerca de R$ 5 mi —, mas transformou um imóvel ocioso em ativo gerador de renda suficiente para cobrir custos e ainda abrigar familiares de baixa renda.
Em Vancouver (Canadá), o programa “Laneway Homes” já permitiu a criação de 10 000 ADUs em viações secundárias, aliviando em 15% a pressão sobre o mercado de aluguel a curto prazo.
Na Europa, cidades como Berlim e Londres adotaram leis que incentivam o uso de porões e garagens como residências independentes, com subsídio de até 30% no IPTU local para proprietários que construírem unidades acessórias.
Apesar dos avanços federais, muitas cidades mantêm restrições draconianas:
Além disso, a fragmentação municipal dificulta a padronização de processos e dificulta a replicação em larga escala. Somente a criação de diretrizes nacionais de flexibilidade, complementadas por manuais locais de boas práticas, poderá liberar esses gargalos.
Para viabilizar economicamente esses projetos, diversas linhas de crédito e incentivos devem ser mobilizadas:
A expansão moderada de casas compartilhadas e ADUs pode gerar um círculo virtuoso:
Para tornar viáveis centenas de milhares de retrofit e ADUs em curto prazo, é essencial:
A tecnologia de construção modular e a impressão 3D em concreto já permitem erguer estruturas de até 50 m² em poucas semanas, com desperdício de material abaixo de 5%.
Integrar essas técnicas a ADUs reduzirá custos e prazos ainda mais. Paralelamente, a disseminação de smart homes com sensores IoT e eficiência energética nível PROCEL A tornará essas unidades ainda mais atrativas, contribuindo para metas de neutralidade climática.
Ao aproveitar a malha habitacional já existente — transformando quartos vazios e quintais ociosos em unidades independentes —, abrimos caminho para uma revolução silenciosa que alia sustentabilidade urbana, geração de renda e inclusão social.
A “cottage industry” das casas compartilhadas e ADUs não é fantasia: é uma resposta prática e imediata à escassez de moradia, capaz de gerar milhões de novas unidades em anos e não em décadas.
Para tanto, é necessária a convergência entre inovação privada, flexibilização regulatória e apoio financeiro estratégico. O próximo capítulo da habitação brasileira poderá ser escrito em cada lote já existente — basta mudar o foco de construção nova para reutilização criativa.
Artigo original: https://www.nytimes.com/2025/05/04/business/economy/housing-crisis-multifamily-adu.html
O primeiro programa destinado a empreendedores e investidores imobiliários