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Vale a pena investir em Construtechs e Proptechs?

5 de junho de 2020

Os termos proptechs e construtechs ganharam popularidade no Brasil ao longo dos últimos quatro anos, um fenômeno reflexo da evolução do ecossistema de inovação no segmento e que repete o que aconteceu em países como EUA, Reino Unido, Alemanha, Israel, China.

As startups do setor representavam 3.5% do total de iniciativas ativas em 2018 no Brasil, já em 2020 esse número chegou a 5.5%, mostrando o aumento da importância da vertical no ambiente de empreendedorismo no país.

Naturalmente, a atenção dos investidores cresceu, e o volume de investimentos saltou de pouco menos de R$ 500M em 2018 para mais de R$ 1.8bi em 2019. Vimos investidores anjo, fundos de venture capital brasileiros, fundos estrangeiros e empresas tradicionais aumentando suas apostas nas startups do setor.

Para alguns estamos vivendo uma bolha, para outros um momento singular em termos de oportunidade.

Afinal, vale a pena investir em construtechs e proptechs no Brasil?

O artigo de hoje é mais técnico, mas busca trazer uma visão didática para empresas e investidores que estão avaliando aportar recursos em startups no setor.

A maioria das startups falham, é preciso entender isso

Em 2018 a CB Insights publicou nos EUA um estudo analisando a taxa de sucesso das startups. Para isso, partiu da análise de empresas que conseguiram ao menos uma rodada de investimento, e foi avaliando quantas conseguiam chegar à etapa seguinte.

O estudo mostra que entre empresas que conseguem uma primeira rodada de investimento, apenas 48% chegam a segunda rodada, sendo que das restantes uma pequena quantidade (14%) consegue ter algum evento de liquidez por meio da venda da empresa ou seus ativos.

O que significa que a taxa de insucesso chega a quase 40% logo no início.

Entre as empresas que conquistaram uma segunda rodada de investimento cerca de 38% não conseguem uma terceira, o que significa que do total, apenas 30% das startups chegam até esse estágio.

Avaliando isso ao longo das várias rodadas possíveis nota-se que uma pequena minoria das startups consegue múltiplas rodadas de investimento até atingir um patamar de unicórnio (empresa com valor de mercado acima de 1bi de dólares), algo em torno de 0,5% do total.

Além disso, o estudo mostra que no geral apenas 10% das empresas conseguem ser vendidas por um valor de mercado acima de 50M de dólares, ou seja, a grande maioria ou morre ou gera retornos com baixos múltiplos aos investidores.

Qual valuation típico de uma startup?

Outro ponto sempre polêmico é o famoso valuation da empresa. Muitos consideram alto o valor pago por participação em startups que muitas vezes nem mesmo receitas tem.

A verdade é que investir em startups envolve uma equação onde muitas vezes o preço que está pagando é menos em função do que a empresa tem hoje e muito mais em função de o que aquele time é capaz de construir no futuro.

Ainda sim, há mecanismos que ajudam a balizar a negociação e buscar entrar no negócio a um preço consistente. Não é meu foco aqui abordar o tema cálculo de valuation, mas trago duas referências que irão nos ajudar a entender os valores médios praticados a cada rodada de investimento.

O primeiro é um material publicado pelos nossos colegas da AB Seed, onde reproduz uma visão do Saas funding napkin da Point Night Capital.

Na ilustração é possível ter uma visão geral do que são os valuations praticados a cada etapa de uma empresa e os principais critérios que se esperam ser observados.

Olhando sobre essa perspectiva pode-se perceber que no geral em uma mesma etapa de investimento, o valuation praticado pode variar em função de diversos fatores relacionados a empresa e ao investidor.

Por isso, trago também uma segunda visão considerando a perspectiva do João Kepler, um dos principais investidores de startups no Brasil, sobre o valor médio praticado em cada rodada.

O estudo mostra que para uma rodada pré seed, no geral, os negócios apresentam um valuation de cerca de 3M, em uma rodada seed esse montante fica em torno de 13M, e já em um série A esse valor vai a 40M.

Usaremos esses números para estimar o que são múltiplos de retornos na sessão a seguir.

Múltiplos de valorização da empresa

Com base no que foi dito até aqui, conseguimos ter uma primeira visão do que esperar quanto a múltiplos de valorização de uma startup.

A título de simplificação e didática não vou considerar aqui o cambio, estou estabelecendo como premissa usar os mesmos valores com paridade de moeda. Mas evidentemente que pode afetar significativamente o retorno dependento do contexto.

Na tabela abaixo estimei uma situação onde podemos ver o potencial múltiplo de valorização da empresa considerando diferentes patamares de exit, e os diferentes valuations praticados em cada estágio.

Se você investe em uma startup em fase de pré seed e ela consegue se tornar um unicórnio, o múltiplo de valorização se você manter sua participação até o final poderia ser de 333x o capital investido.

Por outro lado se você investir em uma empresa Série A e ela for vendida por 50M, seu múltiplo seria de apenas 1.25x. O momento que você entra no negócio e a oportunidade de saída basicamente guia a relação risco e retorno.

Vale relembrar que a chance de uma empresa conseguir superar a marca dos 50M é de 10%. Ou seja, você pode investir em 10 empresas e esperar que 9 não consigam proporcionar uma saída acima desse patamar, e mesmo naquele que obteve sucesso ainda sim o upside pode não ser tão grande.

O racional até aqui é válido mas ainda não considera um fator muito importante, a diluição esperada ao longo das rodadas.

Diluição do investidor

A trajetória de uma startup costuma envolver a busca por um crescimento acelerado, o que demanda da empresa atrair a maior quantia de capital possível a fim de financiar sua jornada.

Naturalmente, a cada rodada novos investidores entram no negócio e quem já era sócio da empresa acaba sendo diluído ou precisa aumentar seu desembolso e fazer novo aporte na startup.

Podemos considerar como referência de diluição média a mesma tabela acima citada no aritgo do João Kepler.

O que significa que um investidor que entrar na rodada pré seed e permanecer no negócio até a rodada Serie B (quarta rodada) terá uma diluição de pelo menos 65% caso não faça novos aportes de capital.

Considerando isso, podemos recalcular quais seriam os mesmos múltiplos de retorno, dessa vez levando em conta sua diluição esperada.

Pode perceber que os números se alteram significativamente, alguém que entra no negócio em uma rodada Pré Seed e permanece até o fim da Serie B, veria seu múltiplo cair de 333x o capital investido para 158x.

Por isso, investidores profissionais usam da estratégia de sempre que possível buscar fazer follow on na empresa e ao menos manter sua participação.

Concentração dos investimentos

Vimos até aqui o potencial de retorno que o investimento em uma startup pode proporcionar e sua variação em função da diluição, agora vale lembrar algo muito importante, o risco de sua startup investida não chegar a esse patamar de empresa.

Como comentei no início, apenas 30% das startups que captam recursos conseguem chegar até uma terceira rodada de investimento. O que significa que a grande maioria já ficou pelo caminho.

No mundo de venture capital, há um fenômeno conhecido como Power Law Curve, 10% dos seus investimentos concentram 90% dos seus ganhos.

Em outras palavras significa que você irá perder dinheiro em muitas empresas, mas naquela que ganhar deve compensar as perdas e obter ganhos que façam valer o risco.

Considerando isso fica evidente que investir em apenas uma empresa é um risco enorme de você não obter retorno e até mesmo perder todo dinheiro investido.

Uma forma de mitigar isso é montar um portfólio. Mas em quantas empresas deveria investir?

Ainda que não haja unanimidade quanto a estratégia de composição de portfólio no universo de venture capital, é possível fazer algumas contas básicas.

Se você escolhe investir na primeira rodada de investimento da startup, significa que há apenas 30% de chance dela chegar a uma terceira rodada.

Nessa etapa, a empresa costuma já ter maior geração de receita e potencial de gerar algum evento de liquidez ainda que as coisas não aconteçam como o desejado.

Dito isso, você pode considerar que para ter ao menos uma empresa atingindo esse patamar, você precisaria fazer ao menos 4 investimentos. Ainda sim, pode acontecer de o seu “caso de sucesso” não ultrapassar a barreira dos 50M.

Vamos fazer um novo cálculo considerando que apenas 10% das empresas investidas atingem esse patamar, de forma que para ter ao menos uma startup vitoriosa em seu portfólio, precisaria ter um portfólio de pelo menos 10 empresas investidas.

Isso significa que se você pensa em investir 1M de reais em uma startup, deveria avaliar que além do aporte nessa empresa, deveria ter capital para aportar recursos em ao menos outras nove ao longo de um período de tempo.

Mas e os investimentos em Construtechs e Proptechs, dão resultado?

Voltando ao tema central do nosso artigo, podemos agora apurar o quanto alguns dos principais casos de sucesso no ecossistema de startups no setor da construção e mercado imobiliário podem ter proporcionado aos seus investidores.

Olhando a nível global, são inúmeros os casos de startups que poderíamos citar, mas usarei uma do qual admiro bastante a trajetória dos empreendedores, a Plangrid.

A empresa nasceu em 2011, foi acelerada pela YCombinator, maior aceleradora do mundo, e atraiu atenção da Secquoia Capital, um dos principais fundos de venture capital do planeta. Em 2018 anunciou a venda da empresa ao gigante Autodesk por 865M de dólares.

Usando os mesmos parâmetros que citamos anteriormente podemos estimar qual retorno que a startup proporcionou aos seus investidores.

Para quem entrou na primeira rodada Seed em um valuation de 13M pode ter atingido um múltiplo de 67x o capital investido em um ciclo de 6 anos (desconsiderando possível diluição), o que significaria uma taxa interna de retorno de 102% a.a

O mesmo exercício pode ser feito com empresas brasileiras.

Recentemente o OLX divulgou a aquisição do Grupo Zap, empresa resultante da fusão entre Zap Imóveis e Viva Real, uma transação de R$ 2.9Bi de reais.

Considerando que as duas empresas tenham fundido a dois anos atrás mantendo a mesma proporção de ações, podemos considerar que metade do dinheiro apurado na venda do grupo irá para os investidores iniciais do Vival Real.

Diante disso, podemos estimar que um investidor que aportou recursos no Vival Real em 2013 em sua rodada Seed, pode ter obtido nessa transação múltiplo de 111x o capital investido. (também desconsiderando diluição nas rodadas), mas em um período de 10 anos, o que reduz a TIR da operação para algo perto de 69%

Outro caso que vale ainda comentar é do primeiro unicórnio do setor, o Quinto Andar.

A empresa foi avaliada no ano passado em 1 bilhão de dólares após investimento do Softbank. Partindo das mesmas premissas anteriores, podemos estimar que um investidor que entrou em uma rodada Seed pode ter apurado nessa transação um múltiplo de 75x o capital investido, com uma TIR de 105% a.a.

É claro que em muitos desses casos, o investidor da empresa obteve ao longo da rodada uma saída parcial ou até mesmo integral. Ainda sim, chama atenção os múltiplos de retorno que os investimentos em venture capital podem proporcionar.

É possível ganhar dinheiro investindo em Construtechs e Proptechs no Brasil

Não há dúvidas que investir em startups no setor da construção e mercado imobiliário vale a pena e pode proporcionar ganhos extraordinários.

Mas as pessoas e empresas que começam a se aventurar nesse caminho precisam ter a compreensão de como funciona o universo de venture capital.

Entender o nível de risco que está disposto a correr, estabelecer uma estratégia de portfólio e avaliar os prós e contras de fazer investimento direto ao invés de investir por meio de um fundo especialista na tese de negócio, são primordiais para reduzir a chances você desperdiçar recursos.

Quer saber mais sobre o universo de venture capital na vertical de construtechs e proptechs? Deixe seu comentário sobre qual tema gostaria de ver em um próximo artigo.

Bruno Loreto - Managing Partner