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Startups na construção: chegou a vez das construtechs?

15 de setembro de 2021

O ano de 2021 tem sido movimentado para as startups do mercado imobiliário, as chamadas proptechs, tivemos a Loft anunciando um Series D de US$ 525 milhões, que avaliou a empresa em US$ 2,9 bilhões, e o Quinto Andar captando US$ 420 milhões a valuation de US$ 5,1 bilhões. 

Mas e as construtechs? O que explica termos players tão relevantes em um lado da cadeia de valor e poucos na etapa mais voltada à construção? 

Quando, afinal, é que elas vão decolar?

Na Terracotta, essas perguntas sempre despertaram a nossa curiosidade e hoje iremos explorá-las ao longo do artigo. Boa leitura!

Primeiramente, o cenário

É possível que você já tenha visto o gráfico abaixo:

Ele faz menção a um estudo conduzido pela McKinsey em 2017, que destacou o problema de estagnação da produtividade enfrentado pelo setor da construção civil em todo o mundo. 

No ano anterior, a mesma empresa produziu um outro estudo posicionando a indústria da construção como a segunda menos digitalizada, somente à frente da agricultura e da pesca. 

Naquele momento, ficava claro que o setor como um todo tinha um grande problema, e que a solução passava obrigatoriamente pela adoção de tecnologia. 

Ao mesmo tempo, o montante investido em startups da construção civil, as chamadas construtechs, vinha acelerando desde 2015, chegando ao ápice em 2018, impulsionado pelo Series D de US$ 999 milhões da Katerra.

 

O cenário parecia perfeito para as construtechs, uma combinação de um setor com baixa adoção de tecnologia, um grande problema de produtividade e uma indústria de Venture Capital dando maior atenção à vertical.

Tudo levava a crer que o boom das construtechs era questão de tempo.

Mas afinal, o que aconteceu com o Boom da Construtechs? 

O gráfico abaixo, retirado do Crunchbase, mostra os dados atualizados do total aportado e do número de rodadas dos últimos 6 anos em construtechs. Fica evidente, ao analisá-lo, que ainda não passamos pelo boom dos investimentos em construtechs, uma vez que parece ter havido uma laterização dos investimentos. 

No entanto, é válido observar que, após um recuo no total investido e no número de aportes em 2019, 2020 voltou a tracionar. Ao longo do ano, foram investidos cerca de US$ 1,4 bilhão, montante inferior somente à 2018, divididos em 158 rodadas, o maior número de aportes já registrado.

O ano de 2021 também tem sido importante para o setor de tecnologia da construção. Nos primeiros meses do ano a indústria ultrapassou a marca dos US$ 10 bilhões sendo investidos por VCs. 

Há um padrão recorrente na indústria de Venture Capital, onde normalmente leva de 5 a 7 anos para um setor sair de US$ 5 bilhões para US$ 50 bilhões de investimento. 

E ainda dentro deste intervalo, leva cerca de 2 a 4 anos para o setor sair de US$ 5 bilhões para US$ 10 bilhões e outros 2 a 4 anos para ir dos US$ 10 bilhões até US$ 50 bilhões. 

Como pode ser visto acima, várias indústrias respeitaram esse padrão, inclusive a de Proptechs. Portanto, caso seja seguida essa regra, devemos estar no início de uma aceleração no ritmo de investimentos em construtechs

Durante o ano também já tivemos o surgimento de dois novos unicórnios, empresas com valor de mercado superior a US$ 1 bilhão, no setor:

Infra.Market

Fundada em 2016 na Índia, recebeu um aporte Series D em agosto de 2021 que a avaliou em US$ 2,5 bilhões. A empresa desenvolveu um marketplace com serviços agregados (logística, gestão da qualidade) que busca facilitar a compra de materiais da construção ao conectar fabricantes com construtoras. 

Nexii

Fundada em 2019 no Canadá, recebeu um aporte de US$ 45 milhões que a avaliou em US$ 1,23 bilhões. A empresa desenvolveu um método construtivo que utiliza um material patenteado (Nexiite), que tem baixo teor de carbono e que reduz o tempo de construção em 75%.

O surgimento de novos unicórnios é importante por demonstrar o potencial das empresas inseridas dentro do ecossistema de tecnologia da construção civil, o que por si só encoraja novos investidores a olhar para a indústria e contribui para a sua maturação.

O que explica essa adoção lenta de tecnologia no setor? 

Além de ser natural que uma indústria pouco digitalizada demore para adotar novas tecnologias, o setor da construção tem diversas particularidades que contribuem para esse ritmo de adoção. 

Um primeiro ponto importante é em relação à complexidade do setor. A construção de um empreendimento é um processo complexo, que depende da coordenação entre múltiplas partes, diferentes stakeholders e está sempre ligada a um ativo físico.  

E estas características demandam que os empreendedores, ao correr riscos neste mercado, adquiram um conjunto de competências que os tornam altamente qualificados e diferenciados.

É fundamental que os times consigam unir o conhecimento mais técnico - conhecimento de como a cadeia funciona - com um perfil mais inovador - visão tecnológica e empreendedora - para entender como a sua solução se encaixa em um ecossistema maior.

Na Terracotta, vemos muitos empreendedores com perfil técnico, que conhecem profundamente do setor, mas que falham em apresentar uma visão de negócios mais ampla, de como sua empresa pode impactar a cadeia no longo prazo.

Um outro ponto importante é em relação a fragmentação e o regionalismo da indústria. O setor é formado em sua grande maioria por pequenas empresas, que operam de formas diferentes e constroem com base em planos diretores locais, ou seja, baixíssima padronização. 

Como consequência, é muito difícil que uma solução pensada para determinada empresa consiga resolver 100% dos problemas da outra que opera de uma forma diferente. 

Por essa razão, os empreendedores precisam pensar em como seus produtos se integram com outras soluções usadas por seus clientes e se adaptam a fluxos de trabalho distintos.

Quais as tendências que enxergamos dentro do ecossistema de construtechs? 

O infográfico abaixo foi desenvolvido pela “Future of Construction” em 2017 e traz as 10 tecnologias com maior potencial de impactar a cadeia da construção. Apesar de já ter sido desenvolvido há 4 anos, acreditamos que pouco mudou em termos do que vai transformar o setor.

A Terracota Ventures acredita que, apesar de os temas muitas vezes serem os mesmos, a adoção vai aumentando, o custo de implementação fica cada vez menor e é a combinação dessas tecnologias que pode gerar negócios disruptivos e inovadores, como os que trago de exemplo logo abaixo.

A era das plataformas

Quando olhamos para a trajetória das startups no setor, percebemos que a primeira onda de empresas buscava resolver problemas pontuais da jornada, como digitalizar o check list de qualidade, o diário de obras ou qualquer informação que era armazenada principalmente em “papel”.

O resultado disso são diversas soluções pontuais que não conversam entre si, o que acaba gerando uma experiência ruim aos clientes. Como consequência, estamos vivenciando a tendência do surgimento e consolidação das grandes plataformas. 

Plataformas normalmente oferecem um conjunto de features que atuam em mais de um ponto da jornada e possuem uma capacidade de se integrar com outras soluções e centralizar as informações em um único lugar. A Procore e o BIM 360 da Autodesk são grandes exemplos desse tipo de empresa 

A grande força dessas empresas está no fato de que quanto maiores elas forem, mais poder de barganha elas têm sobre soluções pontuais, que vão precisar se integrar a essas plataformas para se manterem competitivas, o que por si só aumenta os switching costs e o valor percebido pelos clientes, tornando-as ainda mais fortes.

Trazendo isso para o cenário brasileiro, temos visto casos de empresas que começaram por um ponto da jornada e agora estão avançando para outras etapas do ciclo construtivo. É importante que as construtechs brasileiras tenham em mente como irão jogar o jogo das plataformas, visto que elas serão os players que capturarão a maior parte do valor.

Data Analytics e Inteligência artificial 

Anteriormente, comentamos que as tecnologias que podem transformar o setor ainda são as mesmas, mas o que vem mudando é o nível de adoção delas. Dentro disso, um grande exemplo é o surgimento crescente de construtechs explorando inteligência artificial como meio para entregar suas propostas de valor. 

Ao analisar o quadro abaixo, trazido em um estudo da McKinsey, é possível observar que a grande maioria das construtechs que exploram inteligência artificial foi fundada nos últimos 5 anos e que cerca de 80% delas receberam pelo menos algum investimento da indústria de Venture Capital.

Esses dados mostram uma tendência que deve acelerar nos próximos anos impulsionada pela adoção crescente do BIM, que agrega informações aos projetos, a digitalização dos fluxos de trabalho e o próprio surgimento das plataformas, que tendem a gerar grandes volumes de dados.

Abaixo, são apresentados alguns exemplos de startups que têm explorado essa tendência:

Buildots

A empresa atua utilizando câmeras 360 e um algoritmo de visão computacional para identificação de erros de execução e atrasos nas obras. Ao comparar o modelo BIM e o cronograma do projeto com as informações capturadas no canteiro, a empresa consegue acelerar a identificação de desvios e consequentemente a tomada de decisão, impulsionando a produtividade da obra.

nPlan

Startup de predição de atraso em cronogramas e tarefas de acordo com padrões detectados em EAP's antigas. Através de um algoritmos de deep learning consegue aprender com os resultados de projetos anteriores, relacionando qualquer novo projeto a cronogramas executados anteriormente. 

SafeAi

O foco da empresa está na tecnologia de veículos autônomos, projetada e construída especificamente para equipamentos pesados ​​usados ​​nas indústrias de mineração e construção. O diferencial da startup está na capacidade de transformar equipamentos já existentes em veículos autônomos.

E as Construtechs Brasileiras? 

Olhando para as construtechs brasileiras, identificamos um cenário parecido com o visto no exterior. Ao comparar com a maturidade do ecossistema de proptechs, por exemplo, fica evidente que o setor de tecnologia da construção ainda está em um estágio anterior.

Entretanto, temos visto uma evolução constante do setor, que pode ser ilustrada, por exemplo, pelo crescente número de startups olhando para essa tese, cerca de 25,2% ao ano, conforme mostra o mapeamento abaixo.

Alguns cases nos chamam particularmente a atenção, por explorar tendências já mencionadas aqui.

Orçafascio

A empresa faz parte do portfólio da Terracotta e aproveitou o declínio de players antigos do setor de orçamentos para se estabelecer como líder de mercado. Agora, dentro da tendência de plataformas, está tentando avançar para outras etapas do ciclo construtivo.

Noah

Atua dentro da tendência de construção industrializada, tendo recebido um aporte recente da Duratex. A empresa tem como foco a construção de prédios corporativos e atua no segmento de healthy buildings, construindo seus empreendimentos em madeira CLT, um material sustentável e estocador de carbono.

Dataland

A startup recebeu um aporte de R$ 5 milhões em agosto deste ano do GHT4, um multifamily office. A empresa explora a tendência do crescente uso de dados e inteligência artificial e desenvolveu uma solução que, através dessas ferramentas, busca digitalizar o processo do estudo de viabilidade e vocacional de incorporações. 

Crescente adesão ao "CVC"

Um outro movimento que está em nosso radar é a crescente participação dos chamados fundos de Corporate Venture Capital (CVCs), só esse ano, por exemplo, tivemos a notícia da Duratex investindo R$ 103 milhões no ABC da Construção, participando do aporte de R$ 103 milhões na Urbem e investindo R$ 15 milhões na Noah. 

Como já mencionamos em outro artigo, a atividade de corporate venture capital cresceu 116% entre 2014 e 2019, participando de 25% do total de deals realizado no mercado de venture capital em 2019. 

Esse crescimento, visto também no cenário de construtechs brasileiras, é positivo, por representar novas oportunidades para investidores e empreendedores do setor, o que tem potencial de acelerar o desenvolvimento da indústria.

Mas afinal, porque as construtechs ainda não decolaram? 

É um fato que os investimentos em construtechs ainda não atingiram um “boom”, algo natural em meio à maturidade tecnológica, os desafios específicos do setor e o perfil da indústria. 

No entanto, é importante lembrar que temos um número crescente de unicórnios, uma participação cada vez maior de grandes empresas investindo em startups do setor e passamos recentemente pelo marco dos US$ 10 bilhões investidos por gestoras de venture capital em construtechs.

Dito isso, se o padrão observado em outras indústrias for respeitado, devemos estar no início de uma aceleração nos investimentos realizados em construtechs mundo a fora.

E olhando especificamente para o Brasil, se compararmos com o comportamento de investimentos de nações mais desenvolvidas, também devemos ver um número crescente de empresas recebendo aportes nos próximos anos.

É esperado que, inicialmente, esses investimentos sejam concentrados em rodadas mais early stage (Seed e Series A) e que no longo prazo se tornem menores em quantidade, porém com maior valor médio por aporte, seguindo uma tendência da indústria de Venture Capital.

Há enorme potencial para novos negócios relevantes nesta tese, e por isso estamos constantemente acompanhando a movimentação da indústria. No mais, estamos ansiosos para ver como a nova leva de empreendedores fará uso das novas tecnologias para repensar e trazer mais eficiência e produtividade para a cadeia produtiva.