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Por que empresas da construção e imobiliário estão investindo em startups?

14 de fevereiro de 2023

Entre 2017 e início de 2019 estive à frente do Construtech Ventures, uma unidade de corporate venture capital e venture building do grupo Softplan focada no mercado de construção e setor imobiliário, iniciativa pioneira no Brasil.

Aprendi como as principais empresas no mundo estavam agregando, a sua estratégia de negócio, a necessidade de estar conectado às startups com potencial para se transformar em grandes oportunidades ou ameaças.

Nesse projeto chegamos a realizar onze investimentos no Brasil e exterior, ser listada entre as 100 principais iniciativas de corporate venture capital no mundo em 2019 e ter ajudado a Softplan a figurar por dois anos consecutivos entre os destaques do Startup Awards, tradicional premiação da Abstartups, sendo eleita entre as três melhores empresas do país na relação com o ecossistema

O tempo passou, segui meu caminho empreendedor fundando a Terracotta Ventures, e vi a indústria de corporate venture capital no mercado de construção se solidificar.

Os números de rodadas de investimento com participação de empresas do setor crescem a cada dia, o montante de capital destinado pelas empresas a esse fim aumentou, e mais organizações colocam o tema em pauta em suas reuniões de conselho.

Por que cada vez mais empresas do setor de construção e mercado imobiliário estão aderindo ao corporate venture capital e ampliando seus investimentos em startups? Essa é a pergunta que vou responder nesse artigo.

O que é corporate venturing?

A inovação sem dúvida se tornou prática das melhores empresas nos mais variados mercados. O conceito de inovação aberta superou o antigo modelo de inovar com as portas fechadas.

Hoje vivemos uma época onde as empresas buscam inovar se conectando ao ambiente externo. Aproximando-se das universidades, participando de hubs de inovação, promovendo desafios para colaboradores e parceiros da companhia.

Uma classe dentro desse universo envolve a conexão com startups, o que é conhecido como Corporate Venturing.

São inúmeras as formas de empresas tradicionais se engajarem com startups: aquisição, parcerias, venture client, venture building, incubação e muitas outras. Mas uma delas representa nosso tema central aqui, a atividade de corporate venture capital, empresas investindo em startups como parte de sua estratégia de inovação.

A atividade de corporate venture capital cresceu 116% em 6 anos

Os números observados nos últimos anos demonstram o quanto essa estratégia de inovação se tornou parte das empresas mais relevantes em todos os mercados.

Em 2014 o montante investido por empresas em startups em todo o mundo foi de 17.9 bilhões de dólares. Seis anos depois o número saltou para 57.1 bilhões de dólares em mais de 3.234 transações, um recorde.

Entre todos os deals realizados no mercado de venture capital em 2019, 25% tiveram a participação de empresas tradicionais. Um contraste com a realidade observada em 2014 quando sua presença era de apenas 19% nas rodadas de investimento observadas.

O que começou como um fenômeno puxado por algumas poucas empresas globais, expandiu para mercados tradicionais, segmentos regionais, e empresas com porte muito mais modesto.

CVC ganhou força no setor da construção e mercado imobiliário

No setor global de construção e mercado imobiliário, os movimentos de corporate venture capital ganharam maior dimensão a partir de 2017. Nos principais ecossistemas globais iniciativas se multiplicaram e os montantes destinados a tais atividades também.

Ainda que não se tenham estudos e números consolidando o movimento, é possível perceber a força que o setor conquistou analisando alguns casos marcantes.

Em 2017 a CEMEX, empresa global no mercado de cimento anunciou a criação de um fundo de 100 milhões de euros destinado a investir no futuro do negócio por meio de construtechs.

No ano seguinte outro player global fez movimento parecido, a JLL Spark nasceu como uma fundo de corporate venture capital destinando 100 milhões de dólares para investir em negócios de base tecnológica no setor imobiliário buscando aumentar sua oferta de valor em seu portfólio de negócios, hoje maior corporate fund destinado a Proptechs no mundo.

Atualmente estimamos que estão disponíveis mais de 1 bilhão de dólares em fundos de corporate venture capital focados em empresas inovadoras no setor de construção e setor imobiliário.

"Mais de 1 bilhão de dólares estão disponíveis para investimento de empresas tradicionais do setor em busca de startups inovadoras".

Mas nem todas empresas avançam em sua estratégia de investimento em startups criando seus próprios fundos a atuando sozinhos.

A cada dia é mais comum empresas investindo em fundos focados no setor

Começar a atividade de corporate venture capital criando um grande fundo destinado a tal estratégia é um movimento ousado e que na maioria das vezes só acontece quando a empresa já adquiriu grande maturidade em sua estratégia de inovação e possui porte e para viabilizar tal estrutura.

Mas e quando a empresa não possui maturidade suficiente para realizar tal movimento de forma autônoma ou seu porte e realidade financeira limitam suas ambições?

O modelo mais comum de empresas tradicionais no setor entrarem no jogo é investindo em fundos de venture capital específicos na sua tese de negócio.

Em 2016, a Metaprop fundou em Nova Iorque umas das primeiras iniciativas nos EUA focadas exclusivamente em Proptechs. Inicialmente, entre seus investidores haviam profissionais e empreendedores do setor, mas também a presença de algumas empresas tradicionais como o gigante Zillow Group.

Em 2018 eles anunciaram um veículo de 40 milhões de dólares e o ingresso de empresas como Cushman & Wakefield, CBRE, JLL Spark entre seus investidores. No fim do ano passado, ampliaram a visão e abriram captação para um novo veículo de investimento com meta de chegar a 100 milhões de dólares captados.

Ainda em 2018 outro movimento chamou bastante a atenção do mercado, a Fifth Wall, empresa de venture capital baseada na Califórnia anunciou um fundo de 400 milhões de dólares destinados a investimentos no universo de Proptech, entre seus investidores estão ao menos 50 corporate partners, empresas que entendem como a atividade de corporate venture capital podem agregar valor aos seus negócios e querem estar conectados às mentes mais ousadas do mercado.

Atualmente existem em todo o mundo ao menos 30 empresas de venture capital especializadas na vertical construtiva reunindo investidores e empreendedores em torno de uma mesma tese de mercado, investir nas melhores construtechs e proptechs. Abaixo alguns exemplos e países com esse tipo de operação.

Mas por que essas empresas decidem entrar em um fundo de investimento ao invés de investir sozinhos?

Listo ao menos quatro grandes motivações:

É mais fácil começar: A empresa não precisa ter um time dedicado, grande montante de capital comprometido, e ter que desenvolver todo um conjunto de competências distante de sua atividade fim.

É mais barato: Estruturar um veículo de investimento, montar um time, divulgar, ter acesso aos melhores deals, gerir portfólio são desafios gigantes e que consomem recursos.

Fazer sozinho algo que não tem familiaridade no mínimo sai mais caro, além de reduzir as chances de sucesso.

Acesso aos melhores deals: Empresas de venture capital agregam aos empreendedores uma ampla rede de relacionamento, conhecimento no desenvolvimento do negócio e estão alinhados no interesse de maximizar o valor da empresa, por isso atraem os melhores empreendedores.

Para uma unidade de corporate venture conquistar essa atratividade e ter acesso aos melhores negócios pode levar muito tempo ou nunca acontecer.

Alavancagem: Considerando que a maior motivação de uma unidade de corporate venture é estratégica, não necessariamente a empresa precisa investir sozinha e assumir todo risco da operação.

Participar de um veículo de investimento com outros investidores é uma ótima forma de reduzir o montante comprometido, se expondo menos e sendo mais assertivo em onde deve aumentar suas apostas.

As boas práticas que aumentam as chances de sucesso

Não há nada que impeça uma empresa tradicional do setor de buscar realizar investimentos de forma direta, avaliando caso a caso, sem se comprometer com algo maior.

Contudo, as boas práticas mostram que o melhor caminho é outro.

Em 2016 a Boston Consulting Group publicou o estudo Global Corporate Venturing, nele listou as melhores práticas para maximizar o sucesso das iniciativas de corporate venture capital:

Garanta independência: manter a unidade de investimentos em startups separada do dia a dia da empresa aumenta a autonomia e cria melhores condições para o time de gestores atuarem com liberdade para selecionarem os melhores negócios.

Defina objetivos claros: Para começar a investir em startups a empresa deve ter claro o que espera com isso e quais impactos pode esperar no curto, médio e longo prazo.

Selecione um líder externo a organização: Trazer um profissional ou empresa de fora da companhia agregando experiência e conhecimento na seleção, avaliação e gestão de investimentos em startups é fundamental para aumentar a chance de sucesso.

Monte um time com boa combinação de talentos: um time envolvido com a operação de corporate venture deve dominar o universo de venture capital mas também entender do negócio da companhia e como conectar as oportunidades à empresa.

Garanta uma governança ágil: garantir que a unidade de investimentos em startups não fique presa nos processos e ritmo da organização é vital para ter investimentos bem sucedidos e agilidade.

Capital consistente no longo prazo: é necessário manter investimentos ao longo de período de tempo suficiente para cobrir momentos de alta e de baixa, garantindo continuidade no trabalho e nos investimentos.

E como as empresas brasileiras do setor de construção e mercado imobiliário tem se comportado?

Construtoras, incorporadoras, imobiliárias, fornecedores, todos começam aderir ao modelo de corporate venture capital no Brasil

Assim como no exterior o mesmo fenômeno vem se desenvolvendo no Brasil.

Em 2017 Gerdau, Tigre, Intercement e Vedacit anunciaram o primeiro programa de aceleração dedicado a Construtechs no Brasil. Um marco para o ecossistema por unir players do setor em um mesmo objetivo. No mesmo ano nasceu o Vetor AG, programa de aceleração corporativo liderado pela Andrade Gutierrez.

Ainda que ambas iniciativas não tivessem como foco investimento, foram importantes para fomentar o fortalecimento do ecossistema de construtechs.

Em 2018 o Vedacit Labs nasceu selecionando empresas para serem aceleradas e também investidas pela companhia. E recentemente anunciou a aquisição de uma dessas empresas, a Construcode, mostrando como muitas vezes um movimento que começa como um namoro, pode acabar em casamento.

A Gerdau saiu na frente e foi a primeira empresa no setor a lançar seu próprio fundo de corporate venture capital. Baseado no vale do silício a empresa destinou 80 milhões de dólares para participar de iniciativas inovadoras por meio de investimento, no Brasil e no mundo.

Outras empresas preferiram seguir o caminho de avaliar cada oportunidade que se apresente. Como é o caso da Cyrela e Concremat, duas empresas que já anunciaram investimentos em construtechs e proptechs no setor recentemente.

Nos últimos três anos, identificamos ao menos 30 empresas tradicionais do setor que adquiriram participação em ao menos uma startup no setor.

Com o tempo operações como essas serão cada vez mais comuns e veremos o mesmo padrão que tem se intensificado nos EUA, Ásia e Europa: as empresas tradicionais do setor vão criar suas próprias operações de corporate venture capital e/ou investir por meio de empresas especializadas em Construtechs e Proptechs como a Terracotta Ventures

Uma estratégia que pode combinar investimentos diretos nas startups mas também em fundos de venture capital.

Qual a motivação dessas empresas?

O que leva tais empresas a colocarem milhões em investimentos de alto risco e com perspectiva de resultado de longo prazo?

Como em qualquer outro investimento, uma primeira grande motivação é o retorno financeiro.

Encarar essa estratégia como um investimento é fundamental para entender o quanto deve alocar, e como mensurar o retorno.

A verdade é que quando bem construída, a estratégia de corporate venture capital se torna um modelo rentável e lucrativo de investir em inovação, pois todo capital alocado é devolvido e com lucro.

A pesquisa Global Corporate Venturing publicada pela BCG em 2018 apresentou que mais da metade das iniciativas entrevistadas apresentaram retornos positivos e com TIR acima de 11% ao ano.

Em CVC apenas o retorno financeiro é insuficiente, é necessário gerar valor a estratégia

A maior diferença entre o objetivo de um venture capital independente e uma empresa tradicional investindo em startups, são justamente seus interesses.

Para uma corporação, apenas o retorno financeiro nos investimentos não é suficiente para atingir sucesso.

Ainda que o retorno financeiro possa ser relevante e atrativo, raramente tem potencial suficiente para impactar significativamente a rentabilidade da empresa de maneira direta.

Por isso a maior motivação acaba sendo estratégica.

As empresas tradicionais investem cada dia mais em startups como forma de trazer resultado estratégico ao seu negócio. E esse pode se demonstrar de diferentes formas.

No caso da CEMEX a grande motivação se demonstrou uma aposta em uma visão ousada e disruptiva do próprio negócio. Em seu anúncio ao mercado destacaram que o maior objetivo com sua unidade de corporate venture capital é conseguir alavancar o conhecimento sobre inovações no setor e encontrar oportunidades de investimento em negócios fora do core business.

Para as empresas tradicionais que escolheram investir por meio de empresas de venture capital especializadas a motivação também precisa estar clara.

A JLL em 2019, anunciou a escolha da Concrete VC como seu advisor em investimentos na Europa e Oriente Médio, e buscou com isso ampliar sua rede de relacionamento e influência aumentando as chances de acessar as melhores oportunidades.

A Messer, uma das principais construtoras dos EUA decidiram participar do Brick & Mortar Ventures para ter acesso a novos modelos de negócio, e tecnologias que possam impactar seu negócio. Nas palavras deles, querem estar sentados na primeira fila e observar o que está surgindo.

Para quem ainda tem dúvida sobre a motivação estratégica, basta fazer uma simples reflexão.

Se você encontrar uma startup que seja capaz de reduzir seu custo de obra em 1% ou aumentar as suas vendas em 5%, ou mesmo reduzir sua estrutura operacional, ou mesmo encontrar um novo modelo de negócio que lhe permitirá ser uma empresa líder de mercado nos próximos 10 anos. O quanto de dinheiro tem na mesa?

Faça suas contas e vai entender o porque mais empresas aumentaram suas apostas em startups e a atividade de corporate venture capital deve continuar se fortalecendo ao longo dos próximos anos no setor de construção, mercado imobiliário e todos demais setores das economia.

Muitas dúvidas ainda devem surgir adiante

Está claro o quanto o ecossistema de corporate venture capital evoluiu, e como o setor de construção e mercado imobiliário estão expandindo seus investimentos nessa estratégia de negócio.

Mas como tudo que é novo, erros irão acontecer, ajustes serão necessários e tanto as empresas quantos os empreendedores irão ter que avaliar os prós e contras desse modelo.

A cada dia será mais comum empreendedores se depararem com dúvidas comuns do tipo:

Vale a pensa ser investido por uma empresa?

Como evitar os conflitos de interesse?

Ser investido por um corporate venture capital, pode fechar as portas para a concorrência?

Como não ser engolido pela burocracia e lentidão da grande empresa?

Como ter uma governança que mantenha a independência da startup?

Da mesma forma do lado das corporações pensando em investir em startups e acelerar sua estratégia de inovação, dúvidas comuns devem se apresentar:

Quanto investir?

Investir sozinho ou com apoio de profissionais de venture capital?

Será que estou conseguindo acessar as melhores oportunidades?

Quais são as ameaças e oportunidades que deveria estar atento?

Como estruturar os investimentos a fim de proteger a empresa de possíveis passivos?

Sem dúvida todas são questões relevantes, e que podem ser a motivação para um um próximo artigo.

Quer falar mais sobre corporate venture capital no setor da construção, estou disponível para batermos um papo.

Não deixe de baixar o maior mapeamento de construtechs e proptechs da américa latina.

Bruno Loreto - Managing Partner