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Como as construtechs brasileiras têm impactado o setor da construção civil

14 de fevereiro de 2023

Este ano a Terracota Ventures lançou o Mapa de Construtechs e Proptechs Brasil, edição 2022. Ao todo, foram mais de 900 startups mapeadas, um aumento de mais de 250% comparando com a primeira versão de 2017.

Edição Mapa de Construtechs e Proptechs Brasil 2022 — Download aqui

Fazendo uma análise retrospectiva, fica evidente como o ecossistema vem evoluindo no país e no mundo, tendo 2019 sido um marco importante para as startups do setor.

Explanando a diferença entre construtechs e proptechs, o primeiro termo se refere às startups que atuam no segmento de construção, já o segundo àquelas que atuam no mercado imobiliário.

Neste artigo, trago um panorama sobre como as construtechs brasileiras estão atuando junto a cadeia da construção e uma perspectiva do que podemos encontrar por aqui num futuro próximo considerando movimentos globais de startups nos principais ecossistemas de inovação do mundo.

Como as construtechs vêm ajudando o setor construtivo no Brasil?

Marcado por seu tradicionalismo, a construção civil é um setor que historicamente tem apresentado certa resistência a grandes mudanças e novas tecnologias. Justamente por esse conservadorismo, a indústria da construção apresenta diversas oportunidades para novas soluções que busquem resolver suas diversas ineficiências e desperdícios, é nesse contexto que entram as construtechs.

Na Terracotta Ventures, trabalho diariamente conhecendo diferentes modelos de negócios, abaixo listei os subgrupos que identificamos ter maior representatividade no ecossistema de construtechs brasileiras e como essas startups têm buscado resolver alguns de seus principais problemas:

Burocracia pública:  Segundo pesquisa encomendada pela CBIC e ABRAINC à consultoria Strategy&, a burocracia aumenta o custo de um imóvel em cerca de 12%, chegando a 31% nos piores casos. Muitas prefeituras ainda adotam papel e processos ineficientes, o que acaba gerando atrasos e mesmo perda de informações.

Uma das startups atuando nesse setor é a Aprova Digital. Um dos cases de sucesso da empresa foi a transformação de 100% dos processos da Secretaria Municipal de Planejamento e Urbanismo de Mogi das Cruzes - SP para o formato digital. Com a mudança, a Secretaria diminuiu o tempo de licenciamento e emissão do alvará de obra, que levava de 2 a 6 meses, para apenas 10 dias.

Contratação: O setor de profissionais da construção civil e arquitetura é bastante fragmentado, o que pode causar dificuldades para as empresa no momento de contratação, principalmente quando essa estiver fazendo obras em novos locais. Diante disso, temos diversas construtechs que buscam oferecer plataformas com uma base de profissionais qualificados disponíveis para a contratação.

A Tecza, por exemplo, através de parcerias com empreiteiras, busca garantir o melhor custo benefício disponível na contração, além de se responsabilizar pelo acompanhamento da equipe no canteiro de obras, prometendo reduzir em até 42% o volume de trabalho da equipe de gestão da construtora.

Gestão de obras: gestão de obras é um serviço contínuo ao longo da execução de um empreendimento que tem como principais objetivos garantir o cumprimento das restrições de escopo, tempo e custo de um projeto, ou seja, é função do gestor de obras garantir que tudo saia conforme planejado.

Tripla de restrição da gestão de projetos

Devido a complexidade, abrangência e ineficiência vigente do processo. As construtechs encontraram na gestão de obras um espaço com diversas oportunidades de melhorias. Como o tema é bastante abrangente, resolvemos trazê-lo subdivididos nos grupos abaixo:

Diário de obras: Uma das maneiras de controlar a obra a fim de evitar contratempos é através do diário de obras. Esse documento contém informações relevantes sobre o que acontece no dia a dia do canteiro, podendo ser usado inclusive como prova judicial. Devido sua importância, algumas startups buscaram digitalizá-lo, permitindo que o mesmo seja feito através de aplicativos, é o caso da startup Diário de Obra.

Gestão de tarefas e Comunicação: é muito comum que o fluxo de informações no canteiro seja bastante ineficiente, tendo seu processo altamente concentrado em papéis ou planilhas descentralizadas. Com isso, torna-se muito fácil perder informações, ao mesmo tempo que é difícil tirar insights de uma grande quantidade de dados descentralizados.

Esse é um ponto atacado de diversas formas pelas construtechs brasileiras, que usam a comunicação em nuvem para centralizar as informações obtidas em campo. É o caso do Construct App, a empresa busca centralizar a comunicação entre o canteiro e o escritório em uma plataforma, sendo possível trocar mensagens de texto, fotos, arquivos e gerenciar tarefas.

Planejamento e Controle: neste subgrupo estão as startups que trazem soluções tanto para planejamento da obra quanto o acompanhamento da execução - seja através de medições, indicadores ou comparações com o modelo BIM.

A Prevision, por exemplo, buscou trazer o conceito de linha de balanço para facilitar o planejamento de obras que tenham bastantes repetições, como é o caso das obras verticais de múltiplos pavimentos.

A Construct In, por outro lado, está desenvolvendo uma plataforma que torna possível o engenheiro acompanhar a obra de maneira remota a partir de fotos 360 tiradas no canteiro, o que faz muito sentido principalmente no momento que estamos passando atualmente com o Covid 19.

Já a SGP+ utiliza realidade aumentada para acompanhar o avanço da obra. Fazendo o uso do BIM 4D, é possível projetar em escala real o que deveria estar construído até a data presente e comparar com o que foi efetivamente construído.

Segurança da Mão de Obra: o canteiro de obra apresenta diversas situações de riscos. O histórico de acidentes no setor acaba gerando insegurança para o trabalhador, o que pode contribuir para a baixa atratividade da indústria a novos profissionais, além de gerar uma grande quantidade de passivos trabalhistas.

Uma das grandes causas dos acidentes é o fato de muitos profissionais não respeitarem as normas de segurança, como o uso obrigatório de EPI, e acabarem se colocando em situações arriscadas. O desafios das empresas está em fazer um monitoramento contínuo desses trabalhadores no canteiro, o que se torna uma atividade mais complexa à medida que o tamanho e complexidade do projeto aumentam.

Algumas empresas vêm atuando nesse setor, é o caso da NextCam, a startup curitibana desenvolveu uma câmera que faz uso de visão computacional para identificar o operário e se ele está ou não fazendo o uso dos EPIs, além de contar o tempo que cada um ficou na obra. Dessa forma, ações preventivas podem ser tomadas mais facilmente e o monitoramento é feito de forma contínua.

Compra de materiais: As construtechs mapeadas buscam otimizar o processo de compra das construtoras de duas formas. A primeira é através de plataformas que conectam diretamente construtoras a uma rede de fornecedores, permitindo com que uma única cotação atinja diversos players. Um exemplo é a Conaz, startup de Florianópolis que foi adquirida em 2019 pela Ambar.

Os marketplaces seriam uma segunda maneira de explorar essa oportunidade. Aqui, podemos citar dois exemplos: a Estoque Parado, que ajuda os varejistas a dar vazão aos seus estoques ociosos; e a Obrazul, que permite com que os lojistas divulguem seus produtos de maneira online.

Mapeamento de grandes áreas: os drones têm impactado diversas indústrias, e a construção é uma delas. Eles podem ser usados para o mapeamento de grandes áreas, cálculo de volumes, levantamentos topográficos, geração de imagens georreferenciadas, fazer a gestão patrimonial e mesmo vídeos comerciais das obras.

Imagens termais - inspeção Pixforce

A Pixforce é uma das startups dessa categoria, um dos serviços oferecidos pela empresa é o uso de drones equipados com câmeras térmicas que conseguem identificar trechos danificados em redes de alta tensão.

Métodos construtivos: o sistema construtivo mais utilizado no Brasil segue sendo o uso de alvenaria convencional de tijolos cerâmicos. Esse processo é extremamente artesanal e um dos grandes motivos do declínio de produtividade apresentado pelo setor.

Além do mais, pelas atuais condições de trabalho em canteiro, a construção civil tem atraído cada vez menos profissionais da nova geração, países mais desenvolvidos com uma população mais sênior já enfrentam certa escassez de mão de obra especializada.

Diante desse cenário, os métodos construtivos industrializados apresentam um grande potencial. As construções off-site, como são chamadas, por terem um controle industrial, conseguem garantir um nível de superior de qualidade, maior controle sobre prazos e custos e uma redução comprovada de 20 a 50% do tempo de construção.

Mais recentemente, a construção modular voltou a ganhar destaque com a construção de 100 leitos de hospital entregues em 33 dias em São Paulo. As empresas responsáveis pela execução do projeto foram a Brasil ao Cubo, que fabrica módulos 3D em estrutura metálica e a Tecverde, que utiliza painéis em woodframe.

Além da construção industrializada, também temos startups desenvolvendo metodologias de construção com impressoras 3D. A Domus 3D, é uma das que está encabeçando esse movimento no Brasil.

E as construtechs ao redor do mundo?

Na Terracotta Ventures, acreditamos que o ecossistema de construtechs do país tem espaço para evoluir cada vez mais. Analisando os movimentos nos principais ecossistemas de inovação do mundo, identificamos e listamos algumas construtechs que tem atuado em áreas ainda pouco exploradas pelas startups daqui, são elas:

Alice Technologies: A startup americana trabalha diretamente com o BIM 3D para otimizar o planejamento de obras. Ao unir o modelo 3D com uma lista de tarefas do projeto - com a duração, os recursos necessários para a execução e as tarefas predecessoras - a inteligência artifical da empresa é capaz de explorar centenas de sequências possíveis para o planejamento e com isso economizar tempo na execução do projeto.

Built Robotics: essa empresa tem trazido a tecnologia dos veículos autônomos para a construção civil. O objetivo da Built é permitir que um operador de equipamentos supervisione uma frota de veículos trabalhando autonomamente em paralelo, assumindo o controle apenas para tarefas que a máquina não consegue fazer sozinha. Ao invés de construir seus próprios veículos, a startup vende um kit que converte equipamentos já existentes em, como escavadeiras e minicarregadeiras, em autônomos.

Higharc: a startup traz o conceito de design generativo para a construção de casas unifamiliares. Através de vários parâmetros e inteligência artificial, o software da empresa é capaz de gerar diversos designs que atendam as demandas de seus clientes.

Doxel: da mesma forma que algumas startups usam drones para criar digital twins, a Doxel desenvolveu um robô autônomo que percorre o canteiro de obras capturando nuvens de pontos. Com essa informação, a inteligência artifical da empresa é capaz de compará-la com o modelo 3D, planejamento e curva de custos e avisar caso algo construído no campo não esteja em conformidade com o modelo BIM, esteja atrás do cronograma base ou acima do orçamento.

Semblr technologies: a presença de robôs na construção não é algo novo, mas até agora as grandes dimensões e os custos de aquisição inicial podem ser listados como alguns dos motivos que têm impedido a adoção em massa dessas tecnologias. Uma startup early stage de Londres tem tentado mudar essa realidade. A Semblr busca desenvolver pequenos robôs que trabalham juntos para aumentar a produtividade do canteiro. A ideia não é vendê-los, mas alugá-los, o que removeria a barreira de alto custo de aquisição inicial. Como primeiro produto, estão desenvolvendo robôs que empilham blocos de tijolos de forma autônoma, entendendo o processo construtivo diretamente do BIM 4D.

Conclusão: o potencial de crescimento do mercado de construtechs ainda é imenso

Como abordamos nesse artigo, é evidente a evolução apresentada pelas construtechs brasileiras nos últimos anos. Além do aumento da quantidade das startups, podemos perceber uma maior maturidade por parte dos empreendedores.

No futuro, acreditamos que o BIM vá desempenhar um papel ainda mais relevante sobre o ecossistema. Sua adoção ainda é incipiente no país, um estudo da FGV mostrou que 9,5% das construtoras brasileiras adotavam o BIM em 2019.

Quando abordamos as startups de fora do país, todos os exemplos que trouxemos necessitavam de alguma dimensão do BIM para funcionar. É lógico pensar que quanto mais dados tivermos sobre o empreendimento, mais tecnologia conseguiremos usar para extrair informações que levem a decisões assertivas e ganho de produtividade.

Por fim, para aqueles que pretendem se inserir nesse ecossistema, temos algumas dicas:

1. Busque entender a fundo a realidade dos seus clientes. O setor é tradicionalmente mais resistente a adoção de novas tecnologias e só irá fazê-la caso os benefícios trazido pelas empresas sejam altamente relevantes. Aqui cabe aqueles produtos que são “must-have”, ou seja, que a empresa não pode viver sem.

2. Uma outra dica é observar os movimentos que estão acontecendo fora do país e imaginar como eles poderiam ser adaptados para a realidade brasileira. O nosso mercado é naturalmente mais fechado, além de ser menor que o mercado norte americano, por exemplo, o que faz com que o Brasil, muitas vezes, não seja a primeira opção de expansão das startups estrangeiras.

3. A última dica é buscar um diferencial relevante para sua startup. Como Michael Porter, guru da estratégia, dizia, aquelas empresas que competem para ser melhor estão fadadas a sacrificarem suas margem e matarem umas as outras. Como alternativa, Porter dizia que as empresas devem competir para serem únicas, ou seja, encontrar maneiras diferentes de atender as necessidades de um grupo de clientes.

Esse texto foi últi para você? Também temos um mapa completo com todas as startups do universo da construção civil e imobiliária. Não deixe de conferir.

Todas as semanas disparamos o Radar Terracotta, uma curadoria especializada em notícias e conteúdos sobre construtechs e proptechs que tem se destacado ao redor do mundo. Saiba mais aqui.