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As corporate startups do setor de construção e imobiliário

Uma nova forma de criar Construtechs e Proptechs dentro de empresas tradicionais do setor.

12 de maio de 2020

O mercado de construção e setor imobiliário vem se acostumando com a presença das Construtechs e Proptechs que trazem inovação ao setor e quebram paradigmas do mercado. O último mapa de construtechs e proptechs da Terracotta Ventures, mostra que hoje existem 702 empresas ativas no setor.

Startups como VivaReal, Quinto Andar, Loft, Tecverde, trouxeram modelos de negócios baseados em tecnologia, altamente escaláveis e com profissionais dotados de novos conjuntos de competências e adaptados a um novo jeito de trabalhar.

Naturalmente, as empresas tradicionais partiram em busca de inovação. Algumas motivadas pelo medo de perderem espaço para uma nova geração de empresas mais inovadoras, mais ágeis, e com cada vez mais recursos.

Outras desenvolveram um olhar estratégico, e perceberam o universo de oportunidades que poderiam ser exploradas por meio da inovação, tornando as empresas mais rentáveis e desenvolvendo novas linhas de negócio.

Contudo, muitos ainda têm dificuldade em entender o que diferencia uma grande empresa de uma startup. A maioria das pessoas focam em olhar para "o que" a startup está desenvolvendo, qual produto, qual tecnologia, qual o modelo de negócio.

O que resulta em conclusões do tipo "isso não vai dar certo", "nós também podemos fazer isso aqui dentro de casa", "já tentamos fazer e não funcionou". Curiosamente, toda grande inovação enfrenta os mesmos tipos de contestações, foi assim com Uber, Airbnb, Facebook, e muitas outras.

O que as empresas deveriam entender é que a inovação não está no O QUE a startup faz, mas sim no COMO ela está fazendo. A grande inovação de uma startup está em seu jeito de trabalhar e é isso que torna ela capaz de se mover mais rápido, ser mais inovadora, e atingir maior sucesso a ponto de dominar grandes mercados.

Como parte desse caminho, entram as novas competências exigidas na nova economia. Conjunto de habilidades e conhecimentos cujas empresas tradicionais ainda têm dificuldade em contratar.

Em uma empresa como a Loft, você encontra 49 profissionais cuja a função dentro da empresa envolve a palavra "growth", faça o mesmo exercício no Quinto Andar e verá a presença de 80 profissionais. Agora, quantos profissionais com esse perfil e papel se encontram nas duas maiores imobiliárias do país juntas? 11 pessoas.

Por que isso importa?

Diferente do passado onde era possível estabelecer longos ciclos de planejamento estratégico, hoje vivemos em um mundo VUCA. Tudo é mais ágil e mais incerto.

As empresas que têm maior chance de sucesso são aquelas que desenvolvem a competência de se adaptar a novos contextos com maior velocidade e eficiência. Justamente essas são as duas características essenciais de uma startup.

Mas o que é uma startup?

Entre inúmeras definições, as mais aceita e difundida é do professor Steve Blank, uma das pessoas mais conhecidas no meio de inovação.

Na visão dele, startup é uma instituição temporária em busca de um modelo de negócio escalável e replicável trabalhando diante de cenários de extrema incerteza.

A metodologia base de toda startup envolve o lean onde a ideia central é você partir de hipóteses, realizar experimentos, apurar os resultados e ir ajustando o caminho repetindo esse ciclo quantas vezes for necessário até encontrar o objetivo desejado ou pivotar para uma nova direção descoberta no meio dessa jornada.

Parece simples mas na prática isso impõe inúmeras diferenças no jeito de trabalhar.

Empresa tradicional vs Startup

Para quem já esteve diante dos dois contextos essas diferenças na forma de trabalhar são profundas e impactantes. Para quem está distante dessa realidade essas diferenças nem mesmo são compreendidas.

Empresa tradicional e analógica

Startup

Se organiza em departamentos

Divide o time em squads

Voltada a processos e eficiência

Foco em validação e aprendizado

Estabelece metas de longo prazo

Trabalha por OKRs trimestrais

Time motivado por política de remuneração

Time focado em propósito e recompensas de longo prazo

Foca no produto

Foca na dor do cliente e modelo de negócio

Usam das mesmas habilidades e conhecimentos há anos

Trazem profissionais com experiência em diferentes indústrias e conhecimentos

Contrata pela experiência e conhecimento

Contrata pelo comportamento e alinhamento de propósito

Como as empresas estão agindo diante disso?

Para quem reconhece a necessidade de mudar, desenvolver iniciativas de relacionamento com startups se torna uma prioridade. A forma como cada empresa segue esse caminho pode variar em função de suas ambições e do seu contexto.

Algumas empresas buscam participar de hubs de inovação, comunidades empreendedoras que fomentam a aproximação entre startups e empresas tradicionais, como é o caso do MITHUB, principal iniciativa nesse formato e apoiado por empresas como Cyrela, Grupo Zap, Brasil Brokers, Softplan, Duratex, Tigre, Gerdau, Alphaville, entre outros.

Outras empresas buscam investir em startups por meio de seus programas, como é o caso da Vedacit com o programa de aceleração Vedacit Labs ou da Andrade Gutierrez com o Vetor AG.

Algumas preferem uma abordagem mais orgânica, e avaliam a cada caso como lidar com a oportunidade ou ameaça eminente.

Empresas que já se encontram em grau de maturidade mais elevado, desenvolvem suas estratégias de corporate venture capital avançando para fazer investimentos em startups de maneira estruturada, aportando recursos de forma direta, ou se tornando investidores por meio de empresas de venture capital como a Terracotta Ventures, iniciativa pioneira na América Latina totalmente focada em Construtechs e Proptechs.

Não é meu foco aqui aprofundar nas diferentes formas de inovação aberta que proporcionam o relacionamento entre empresas tradicionais e startups emergentes. Meu intuito aqui é falar de um movimento mais recente e específico, a ascensão das Corporate Startups.

O modelo de corporate startups

Muitas corporações começaram a entender as diferenças entre o jeito de trabalhar de uma empresa tradicional e a forma de atuar das startups emergentes. Compreenderam também que transformar todo seu contexto interno é difícil, caro, e com muita chance de fracassar. Isso explica as inúmeras tentativas e empresas tradicionais em construir novos modelos de negócio que no fim fracassam.

Nesse sentido, o melhor caminho se demonstra desenvolver a iniciativa fora de casa e de uma maneira startup.

Mas é possível uma empresa criar uma startup?

Lembrando o conceito que falamos a pouco,na definição de startup não há nada que determine se pode ou não se desenvolvido por uma grande empresa. O que importa é ter claro que você está lidando com um contexto de alta incerteza, em busca de aprendizado que valide um modelo de negócio escalável e produto replicável.

Nesse sentido considero uma corporate startup, uma iniciativa de novo negócio criado sob o "guarda-chuva" de uma empresa tradicional mas desenvolvida por um time dedicado e independente, atuando em ambiente de alta incerteza com foco em achar um modelo escalável e replicável.

Algumas corporate startups que estão inovando no mercado de construção e setor imobiliário

Temos visto esse conceito ganhar força junto a empresas construtoras, incorporadoras, imobiliárias, indústrias de materiais, entre outros. Cito abaixo alguns desses exemplos:

Cashme: focada no mercado de home equity a startup nasceu dentro do grupo Cyrela, por iniciativa de um colaborador da empresa que viu a oportunidade de ampliar a atuação do grupo utilizando de competências chaves da organização. Apresentou seu plano de negócio e em menos de dois já se tornou uma das maiores originadoras de crédito com imóvel em garantia no país.

Desenrola: O mercado de locação no Brasil foi altamente impactado pelo crescimento do Quinto Andar, despertando atenção de todos para a necessidade de transformação digital e mudando os parâmetros de exigência do consumidor. Buscando explorar esse nicho de mercado a Brasil Brokers lançou no último ano sua plataforma digital de locação. A Desenrola tem como intuito não "copiar" o que outras startups estão fazendo, mas usar sua experiência de mercado para entender o que pode melhorar e fazer diferente.

Woliver: Outro caso no mercado imobiliário é a corporate startup Woliver, criada dentro do grupo Brognoli e investida por um conjunto de empresas do setor. A iniciativa visa criar um negócio que proporcione a toda imobiliária implementar uma esteira digital. Um ótimo exemplo de corporações de médio porte também criando suas startups.

No mapa de Construtechs e Proptechs 2020, foram listadas 10 corporate startups inovando no segmento de construção e mercado imobiliário. E vejo que seguramente, devemos ter ao menos o dobro disso em 2021, são muitas as iniciativas nascendo dentro de empresas tradicionais do setor investindo em inovação.

"Uma corporate startup nunca será uma startup, e não tem nada de errado nisso​"

Desenvolver uma startup é uma iniciativa de alto grau de incerteza, naturalmente a taxa de insucesso é grande. Entre 100 ideias que sejam tiradas do papel hoje, 90 vão fracassar e nem mesmo conseguirão uma rodada de investimento.

Em um contexto corporativo, muitas das dores enfrentadas pelos empreendedores que se aventuram de forma independente, podem ser minimizadas. A corporate startup consegue começar já detendo maior volume de recursos, base de clientes e relacionamento; além de acesso a profissionais com ampla experiência em determinado mercado.

Mas por outro lado, surgem desafios enormes, quando não bem conduzidos, podem matar a iniciativa.

Conseguir ter uma governança independente e proteger a corporate startup dos conflitos de interesse e ingerência da empresa mãe talvez seja o maior deles. Conseguir prover um ambiente onde se tenha escassez de recurso, não caindo em uma zona de conforto corporativa é outro. Mas talvez o principal é conseguir formar um time com característica empreendedora e forte capacidade de execução.

Um erro comum é achar que um bom executivo naturalmente é capaz de liderar uma startup criada pela empresa; se o profissional não tiver um drive empreendedor e não deter de um conjunto de competências necessárias para esse contexto, a tendência é tratar a iniciativa como um projeto, resultando em baixo nível de aprendizado e zero inovação.

O que esperar do futuro?

Em um futuro muito distante, não sei se cinco, dez ou quinze anos, tudo isso que falamos aqui não terá mais nenhuma importância. Acredito que ao longo do tempo, a nova economia e o futuro do trabalho irá obrigar esses conceitos a se misturarem, inovação será commodity.

Aquilo que há de melhor em startups, cada vez mais começará a ser visto dentro de grandes empresas. Da mesma forma, as boas práticas de grandes empresas que levam o negócio a rentabilidade e liderança de mercado, também serão incorporadoras por empreendedores à frente de startups disruptivas.

Mas até lá, quem for capaz de entender o contexto em que estamos vivendo, poderá sair na frente criando negócios inovadores, investindo nas melhores startups, e permitindo empresas tradicionais serem competitivas, criativas e tão atrativas para novos profissionais quanto as melhores startups que estiverem no mercado.

Nenhuma empresa morre por escolher não inovar, seu fim é resultado de inúmeras tentativas de promover inovação, mas que acabam seguindo o caminho errado e resultando em fracasso.

Bruno Loreto

loreto@terracotta.ventures